Ciência

Pequeno pente de 3.700 anos usado para tirar piolho pode conter a mais antiga escrita ocidental

Cientistas decifraram uma inscrição que consta no diminuto objeto e acreditam que sejam uma forma ancestral do nosso alfabeto

Por João Paulo Martins  em 11 de novembro de 2022

(Foto: Dafna Gazit/Israel Antiquities Authority/Divulgação)

 

Um minúsculo pente de marfim, do tamanho de um polegar de uma criança, e que era usado para retirada de piolho, foi descoberto em ruínas antigas no centro de Israel. Ele estava com vários dentes quebrados e incrustado de terra. Inicialmente, o arqueólogo que o encontrou não deu valor para ele e o colocou em um saco de ossos.

Após mais de cinco anos, um golpe de sorte fez com que cientistas encontrassem o pente e, para surpresa deles, havia a seguinte inscrição no objeto: “Que este dente arranque os piolhos do cabelo e da barba”.

“As pessoas meio que riem quando você conta o que a inscrição realmente diz”, comenta o arqueólogo Michael Hasel, da Universidade Adventista do Sul, no Tennessee (EUA), que esteve envolvido na redescoberta do pente, em entrevista ao jornal americano The New York Times.

Junto aos colegas, o pesquisador datou o pente como tendo sido fabricado por volta de 1.700 a.C., o que significa que o pequeno objeto antipiolho é um dos exemplos mais antigos da escrita dos cananeus, um povo que vivia no Oriente Próximo e que é associado ao desenvolvimento das primeiras formas do alfabeto ocidental.

Como os cientistas explicam no artigo publicado na última quarta (9/11) no periódico científico Jerusalem Journal of Archaeology, as 17 letras presentes no pente formam a frase completa e decifrável mais antiga já encontrada em uma escrita alfabética primitiva.

Como lembra o The New York Times, a escrita cuneiforme é a primeira representação humana de idioma manuscrito e surgiu por volta de 3.200 a.C., na região da Mesopotâmia, atual Iraque. Nesse período, também havia a escrita hieroglífica no Egito. Mas essas duas formas de escrita usavam centenas de pequenos desenhos, e não letras. Em algum momento, provavelmente perto de 1.800 a.C., um novo tipo de escrita apareceu na região e se baseava em apenas algumas dezenas de letras que eram repetidas e embaralhadas. Cada letra relacionada a um único som básico, ou fonema.

 

(Foto: Daniel Vainstub, Madeleine Mumcuoglu et ali./Jerusalem Journal of Archaeology/Reprodução)

 

Já na altura do ano 1.100 a.C., as primeiras escritas alfabéticas foram adotadas pelos fenícios, que escreviam estritamente da direita para a esquerda e padronizavam a forma e a postura das letras. O alfabeto continuou a evoluir, do fenício ao hebraico antigo, ao aramaico antigo ao grego antigo e latim, tornando-se a base para os caracteres modernos usados no ocidente.

De acordo com o arqueólogo Yosef Garfinkel, da Universidade Hebraica de Jerusalém, citado pelo jornal americano, o “DNA” do alfabeto mais antigo ainda pode ser encontrado no inglês e no hebraico. Por exemplo, a letra “A” parece um pouco com uma vaca olhando para você – duas pernas apoiando uma cabeça. Corresponde à letra hebraica “aleph', que corresponde à palavra semítica para boi. ”Você ainda pode ver isso no ‘A’", diz o cientista.

Mas a descoberta das letras no minúsculo pente de marfim não começou com ninguém procurando pistas de como nosso alfabeto surgiu. O artefato estava guardado desde 2016, quando foi coletado das ruínas da antiga cidade de Tel Lachish.

Embora decifrar a inscrição do objeto represente um avanço arqueológico significativo no estudo do alfabeto, nenhum dos pesquisadores afirma que essa descoberta é um “divisor de águas”. Na verdade, surgiram outras perguntas: “Não havia elefantes em Canaã, então de onde veio o pente de marfim?”, “Quem fez os entalhes?” e “Qual a finalidade da inscrição?”.

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